• 10.12.21
  • 8 min
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No Edifício JK, Nikole encontrou morada que, agora, vê reverberar em sua arte

Artista plástica com vocação para o pé na estrada viu o prédio histórico ocupar lugar especial em sua história

O charme das paredes pintadas por um rosa quase pálido, que ganha vida quando iluminado pela luz do dia, bastou para que Nikole Cândida, 20, se visse rendida e decidisse se estabelecer na kitnet localizada no terceiro andar do Conjunto Governador Kubitschek. Diga-se, apesar de estar habituada a mudanças, aquela tinha um quê de especial.

“Era a primeira vez que eu iria morar sozinha”, disse a estudante de design de produtos em conversa com o Viva JK realizada por videochamada. Aliás, à época da conversa, Nikole recém encarava mais uma mudança de CEP: ela acabava de chegar a Londres, onde, junto ao pai, está passando uma temporada. “Ele chegou primeiro, depois me chamou para ir ficar por um período, que não sei ao certo quanto vai durar”, informa, expondo a vocação familiar para um constante pé na estrada.

Antes do JK, a artista plástica passou parte da infância em Coronel Fabriciano, na região do Vale do Aço, onde nasceu. Posteriormente, foi aos Estados Unidos, onde viveu por 5 anos também ao lado do seu genitor. Em Santa Catarina, na região Sul, passou mais meia década. Ela ainda voltaria à cidade natal antes de vir para Belo Horizonte. “Vim para cursar design pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), que funcionava na região da Pampulha, por isso, inicialmente, optei por morar naquela localidade”, conta, expondo que viveu em uma república estudantil em um casarão no bairro São Luiz.

Para uma menina que se classifica como introspectiva, a experiência de dividir casa com nada menos que nove pessoas foi importante e especial. “A gente vivia em uma mansão, com piscina e muitos quartos. A rua era muito calma, sem barulho de trânsito, sem buzina. Eu conseguia me exercitar, fazer caminhadas na orla da lagoa, mas achava difícil explorar BH saindo de lá. Na maioria das vezes, eu precisava pegar ônibus para ir para a maioria dos lugares que eu tinha interesse de ir. Essa era a parte mais chata. Então, quando a UEMG mudou de prédio, deixou de fazer sentido que eu continuasse por lá”, comenta.

“Nesse tempo morando em uma república, o mais curioso e o mais novo para mim era dividir casa com tanta gente. Eram pessoas de diferentes idades e gerações. E claro que tinha aqueles perrengues clássicos de sempre ter alguém que deixava as louças sujas e coisas assim. Também tinha uma moça que, vez em quando, deitava na minha cama. Eu ia dormir, e ela já estava lá”, comenta, entre risadas. “Essas pequenas coisas me ensinaram muito. Me ensinaram a ser mais compreensiva, a ser mais aberta com as pessoas. Hoje, sou amiga de todas. O que foi ótimo porque, antes, não conhecia ninguém de BH, uma cidade pra onde eu só tinha vindo umas duas vezes na vida”, lembra.

Quase em sua inteireza, a primeira experiência na capital mineira se contrastou aquela que passou a ter desde que se transferiu para a região central. “Antes, era silêncio, agora, ouço o som da cidade o tempo todo. Já me acostumei com o barulho dos ônibus de um jeito que, hoje, esse ruído me ajuda a dormir”, brinca. 

Ilustração: à esquerda, a paisagem de uma praia com falésias. O sol nasce no horizonte do mar. Um aviãozinho de papel corta a imagem, abrindo-a transversalmente, delimitando outro quadro de cena à direita. Nela está ilustrada a fachada do JK. Em uma das janelas está uma mulher em pé estendendo a mão alcançando o aviãozinho de papel.
Ilustração feita por Nikole para a série “Até que a palavra morar faça sentido”, publicada no site vivajk.org

“Morando no JK, eu descobri que adoro bater perna. Faço tudo a pé”, cita, lembrando que, entre os principais destinos, estão as cafeterias na região da Savassi, as lojas e lanchonetes do Mercado Central e, nos fins de semana, toda diversidade de bares e restaurantes do Mercado Novo. “Muita gente gosta de ir para lá para beber, mas essa não é muito minha praia. Mesmo assim, gosto do ambiente e sempre encontro algo que me agrade, como o caldo de cana com pastel, que é uma delícia”, garante. “Enfim, tenho achado tão fácil fazer tudo andando que recentemente fui a pé até a praça do Papa com o meu namorado, Davi Heck que é fotógrafo, tem a mesma idade que eu e é da minha sala na UEMG”, conta. “Ele é daqui, mas conhece BH menos que eu. A gente acaba descobrindo as coisas juntos”, observa.

Convivendo com a sensação de ser uma estrangeira aos lugares em que viveu, Nikole conserva um olhar turista para também a cidade que escolheu viver. Um atributo que lhe garante autêntica surpresa ao descobrir histórias e destinos. Sob essa perspectiva, o próprio Conjunto Governador Kubitschek ocupa um lugar especial em sua coletânea particular de achados inesperados.

“Eu não sabia nada sobre o prédio, não conhecia as histórias do lugar e só sabia do JK por causa do relógio, que já havia sido retirado quando eu cheguei”, comenta, fazendo menção ao letreiro publicitário, que era identificado por muitos belo-horizontinos como uma espécie de bússola, mas que foi removido do prédio em 2019. “Quando estava visitando os apartamentos, a primeira coisa que me surpreendeu foi a extensão dos corredores, que são enormes, uma coisa meio cinematográfica. Eu lembrei logo do ‘Titanic’ (filme lançado em 1997)”, recorda, surpresa como tudo parecia hiperbólico no edifício projetado na década de 50 para ser “uma cidade dentro da cidade”.

Apaixonada pela kitnet que encontrou no terceiro andar, decidiu-se de pronto que aquela seria sua casa a partir de então. A lua de mel, porém, durou pouco. “A primeira semana vivendo sozinha foi terrível! Além de todos os desafios de morar sozinha pela primeira vez, tinha uma infestação de baratas no apartamento. Precisei dedetizar tudo”, lembra. Superadas as primeiras dificuldades, Nikole foi se dedicando a dar sua cara para o espaço. “Foi um processo orgânico de ir colocando minhas coisas. Hoje, sinto uma grande identificação com esse meu cantinho”, pontua.

Em uma espécie de simbiose, não tardou para que a morada começasse a habitar a moradora, aparecendo, sobretudo, nos trabalhos artísticos da designer. “É muito curioso que, com a nossa conversa, fui perceber que, antes de me mudar para cá, o rosa não estava tão presente nas minhas ilustrações. A partir da minha chegada, meu tema passou a ter esse tom”, reconhece, meio reflexiva. “Também gosto do verde da (praça) Raul Soares, que quebram o cinza da cidade”, acrescenta. Ela ainda faz menção honrosa ao sol que invade o apartamento entre a manhã e o início da tarde. “Nesses poucos dias em Londres, já estou morrendo de saudade da luz solar”, ri.

Foi no prédio que Nikole viveu períodos de reclusão por conta da pandemia da Covid-19. “Tinha quatro meses da mudança quando tudo parou. Foi um susto. Mas já estar aqui, na região central, deixou tudo mais fácil. Eu já conhecia a vizinhança, sabia dos supermercados, dos sacolões, das padarias… Poder ir a todos esses lugares a pé foi algo que facilitou minha rotina nessa época”, admite. 

Contudo, a experiência da artista no condomínio ainda não é exatamente de integração. “Fora um senhor que sempre puxa assunto quando, por coincidência, estamos esperando elevador juntos, não tenho muito contato com ninguém. Não que eu não queira. Eu tenho vontade de conviver mais com a juventude que vive aqui. Quando desço para o parquinho (localizdo na esplanada acima do Terminal Turístico JK), entrevejo alguns apartamentos, observo a decoração, noto as bandeiras LGBTs… Foi assim que fui tomando consciência de toda diversidade que habita esse lugar”, reconhece.

O reclamado distanciamento foi rompido pela aproximação de Nikole com o Viva JK. “Eu sempre interagia com as publicações e marcava o coletivo nas minhas postagens. Daí, recebi uma mensagem, um convite para que eu fizesse as ilustrações para a série de postagens das correspondências da Telme e da Amanda”, lembra. “Participar desse projeto foi muito importante para mim. Me senti acolhida, me senti pertencente a uma comunidade”, conta. Por isso, quando chegou o convite para ser perfilada pelo site, ela não titubeou. 

“Para falar a verdade, eu já estava pensando se um dia vocês me chamariam. Estava nessa expectativa. Quando rolou a nossa conversa, eu estava para vir para Londres. Mesmo estando naquela loucura pré-viagem, dei um jeito de conseguir fazer as fotos com a Amanda. Foi uma loucura, mas deu certo. Era uma oportunidade que eu não poderia perder”, estabelece.

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