• 06.10.21
  • 8 min
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Velho conhecido, Helena fez do JK um lugar de recomeço

Publicitária com predileção à confeitaria sentiu-se acolhida e em comunidade em sua nova morada.



Há cerca de um ano, quando Helena Machado, 49, chegou ao Edifício JK, dessa vez, para ficar, o sentido de mudança significava, para ela, mais que uma simples troca de CEP e logradouro. Naquele momento, a publicitária encerrava um ciclo, de forma que, para iniciar outro, a busca por constituir um novo lar seria especialmente importante.

Quando se separou, Helena foi para a casa de uma amiga que a acolheu e ajudou a encontrar um novo espaço. “Foi quando apareceu o JK”, comenta a publicitária, que há muito tempo sentia vontade de se estabelecer no prédio. 

“Sempre foi uma referência para mim. Lembro de, na adolescência, ouvir algumas lendas sobre o lugar. As pessoas falavam em assassinato, em tráfico… Mas essas histórias e essa má impressão foram ficando para trás à medida que eu vinha para cá visitar uma amiga, que mora aqui há muitos anos. Logo, desde que conheci o JK de fato, para além do que se diz sobre o lugar, eu tive esse desejo de vir, mas era algo que estava adormecido em mim. Não era uma urgência”, detalha, dizendo que esse anseio se tornou patente quando, em agosto de 2020, a oportunidade de morar no prédio deixou de ser apenas algo abstrato.

“Eu estava tão decidida que não vim fazer a visita no apartamento, que foi marcada para uma quarta-feira. Como eu não pude vir, essa minha amiga, que foi um anjo para mim, veio. Ela filmou tudo e, à noite, me mostrou. O lugar era mesmo a minha cara”, observa. Helena só veio a conhecer o novo lar na ocasião da assinatura do contrato de locação.

Mudou-se na companhia de Gal, uma animada e carinhosa cachorrinha de 4 anos. “A receptividade que tive aqui foi incrível. Eu diria que foi até mesmo inesperada”, conta. E há um fato que ilustra a acolhida. “Nos primeiros dias, eu tive problema com a instalação do serviço de internet. Por alguma confusão no CEP – acho que coloquei o da rua, mas teria que ter colocado o do prédio -, os operadores não encontraram o apartamento. E eu precisava de rede para trabalhar. Fiquei desesperada. Para minha surpresa, os meus vizinhos ofereceram o acesso à Wi-Fi deles!”, relata, informando que acabou não precisando do favor, já que, pouco depois, conseguiu resolver a questão.

Helena abraça seu cachorro e sorri, sentada sobre a cama

Mudanças

Antes do JK, Helena Machado viveu em outros quatro endereços, sempre em Belo Horizonte. “Eu nasci, literalmente, no Carlos Prates (bairro da zona noroeste da capital), em um hospital que existia lá. A maior parte da minha vida, vivi lá. Aos 28 anos, fui morar no Padre Eustáquio, que estava ali na mesma região. Depois, fui para o Santo Antônio (na zona sul) e para o Sion (no Centro-Sul)”, recorda.

Ao se estabelecer no edifício, ficando mais perto da região central de BH, a publicitária se diz realizada. “Eu acho maravilhoso morar no centro. Antes de vir para cá, eu já tinha vendido o meu carro, porque a casa que morei no Sion não tinha garagem e, além disso, não fazia sentido manter o veículo porque eu morava muito perto do meu trabalho. Hoje, faria menos sentido ainda. Eu faço tudo a pé”, reforça.

O contentamento de Helena, ao falar da nova morada, às vezes surpreende seus interlocutores. “Tem gente que pergunta: ‘Mas você gosta de viver aí?’. E eu entendo o que tem atrás dessa pergunta. Sei que ainda há lendas que rondam o prédio, que tem um estigma. Mas, sim, eu gosto. Tanto que eu tinha outras opções, mas escolhi aqui”, garante.

Paixões difusas

Redatora publicitária há 20 anos, Helena Machado cultiva paixões difusas, que já a levaram a enveredar por outros campos de atuação.

“Eu gosto muito de receber visitas. Acho que esse é um traço que vem de família. Fazer um café coado, preparar um bolo, uns quitutes… Para mim, esse é um gesto que faz todo sentido”, reflete, enquanto seleciona e mói grãos torrados, preparando xícaras da bebida.

No apartamento de dois quartos, a porta de entrada dá para uma sala contígua à cozinha, separada do cômodo por um balcão. Um layout sob medida para os hábitos de Helena, que, à essa altura, se divide entre a conversa e a atenção aos afazeres da cozinha. Na sequência, ela serve um café tão aromático quanto saboroso.

“Acho que movida por esse gosto de receber gente, eu sempre quis ter um café em que eu pudesse receber pessoas, conhecidas e desconhecidas”, explica.

O projeto foi realizado quando ela abriu o espaço Na Glória Café, que funcionava na avenida Grão Mongol, no Sion. “A história foi a seguinte: meu ex-marido montou um bar em 2018, especializado em comida japonesa e eu comecei a trabalhar no bar com ele. Com o tempo, depois de entender que é difícil trabalhar com comida, de entender o tamanho do desafio, eu vi que eu daria conta de ter um café”, narra. 

De início, Helena montou o café no mesmo estabelecimento em que funcionava o bar do então marido dela. “Durante o dia, funcionava o Na Glória, e à noite, o Dona Tomoko Izakaya. Mas eu entendi que o Sion, por ser um bar residencial, não seria o bairro ideal para o empreendimento, porque as pessoas não deixavam de tomar o café delas em casa para ir lá. O movimento maior era nos sábados, quando eu oferecia brunch. Dava um trabalhão, mas era muito gostoso, era uma alegria, porque era quando eu tinha a oportunidade de receber o público e de conhecer novas pessoas, que são coisas que eu adoro fazer”, cita. 

A fim de manter o empreendimento, Helena iniciou a saga pela busca de um novo endereço. Mas os planos dela acabaram frustrados pela pandemia da Covid-19. Por meio de serviço de entrega, o Na Glória Café ainda seguiu em funcionamento por algum tempo. “No dia das mães, por exemplo, eu ofereci cestas de café-da-manhã, que logo se esgotaram”, lembra. Para ela, a boa receptividade tem a ver com uma certa carência dos moradores das grandes cidades por pratos caseiros, que remetem a memórias afetivas – “à casa da mãe, à casa da avó”, diz. “Antes, há uns 10 anos, a gente achava o máximo ganhar uma cesta com industrializados. Mas, hoje, isso já não faz tanto sucesso”, aponta. 

Todavia, em função de manter a produção sem ter espaço ideal para o preparo dos doces, bolos e quitutes, as atividades acabaram sendo encerradas e Helena voltou a focar em sua carreira como redatora. O que não significa que outras paixões tenham sido deixadas de lado.

Afeto, fé e razão

“Estou há 4 anos estudando psicanálise. Um período que considero como uma travessia”, indica. “Essa é uma história antiga. Eu comecei a fazer análise em 1999. Em 2007, recebi alta. No ano seguinte, estava fazendo uma pós-graduação. Meu objeto de pesquisa era a representação das mulheres nas músicas de Nelson Gonçalves. Eu o achava um artista interessante, menos como cantor e mais por sua trajetória. Foram 46 anos gravando ininterruptamente. Isso chamava minha atenção”, sinaliza.

Por coincidência, o orientador de Helena, um psicanalista, sugeriu que ela desenvolvesse o estudo pela perspectiva da psicanálise. “Eu aceitei o desafio na hora. Comecei a estudar textos de autores como Sigmund Freud, Sérgio André e Zbigniew J. Lipowski. Fui bem-sucedida no trabalho e fiquei feliz com o resultado. Depois, deixei isso em suspenso. E, uma década depois, decidi retomar esses estudos”, expõe.

Vale registrar que Helena foi levada à psicanálise por uma outra paixão: a música. “Minha mãe foi musicista, mas abandonou essa profissão depois que se casou, o que era bem comum na época. Mas ela continuou muito musical. E isso me contaminou mais do que aos meus irmãos. Em 1995, com 22 anos, entrando na faculdade, comecei a cantar profissionalmente. Fiz backing vocal em uma banda de Soul, depois iniciei cursos de musicalização e canto pela Fundação de Educação Artística. Em 2007, desisti da música profissional, afastada pela burocracia e pela jornada excessiva dos artistas independentes, que precisam ser tudo, empresários, divulgadores, rodies…”, comenta.

Embora não tenha seguido carreira, a publicitária segue cantando. “Pode parecer clichê, mas, seja no chuveiro, cantar me alegra. Esse entusiasmo não se perdeu em mim”, pontua ela que, pode-se considerar uma cantora não praticante tanto quanto é uma católica afastada dos dogmas religiosos. “A psicanálise me afastou de qualquer metafísica, mas, mesmo sem hoje acreditar em vida após a morte, eu sigo apegada aos santos que frequentavam as orações da minha família e aos orixás do credo da minha avó, que é umbandista. Nutro um afeto especial por Santo Antônio, por São João do Carneirinho e por Xangô”, diz.

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